As cinco vias que levam a Deus: aproximações do pensamento de Tomás de Aquino e o Espiritismo - Por Lindemberg Jackson de Castro

INTRODUÇÃO


Tomás de Aquino (1225-1274), descendente dos condes de Aquino e ligado pelos laços do sangue às famílias reais da França, Sicília e Aragão, nasceu entre Roma e Nápoles, no castelo de Roccasecca, na pequena cidade de Aquino. Aos dezenove anos entrou para a Ordem dos Dominicanos. Estudou em Paris e Colônia, sob a direção de Alberto Magno que, desde logo, previu o seu gênio e predisse sua futura glória universal.

A filosofia tomista se caracteriza pelo seu caráter sintético e orgânico, pelo rigor do seu método, pela sua fidelidade a Aristóteles, cujo sistema desenvolve e aperfeiçoa. O estudo que realiza sobre as cinco vias que levam a Deus, baseia-se precisamente na filosofia aristotélica, com modificações oportunas; desenvolve, na apreciação de sua metafísica, as doutrinas aristotélicas de ato e potência, da substância e do acidente e das quatro causas. A distinção entre essência e existência é claramente formulada, permitindo que seja estabelecida de maneira nítida a precisa, a diferença entre Deus e as criaturas contingentes.

AS CINCO VIAS QUE LEVAM A DEUS


Segundo Tomás de Aquino, a razão pode provar a existência de Deus através de cinco vias, todas de índole realista: considera-se algum aspecto da realidade dada pelos sentidos como o efeito do qual se procura a causa. Os materialistas e niilistas afirmam que não se pode provar a existência de Deus, dizem que ele é um ser ininteligível; outros dizem ainda que ele não é senão uma criação do homem primitivo, que, amedrontado pelos fenômenos naturais concebeu na ordem empírica uma divindade inexistente. Contudo, a teoria de desse filósofo, tenta, pelo menos em parte, solucionar o problema da inteligibilidade através das relações de causalidade, ou seja, partindo dos efeitos se chega à causa primeira ou incausada.

A teoria tomista parece encontrar ressonância num pensador francês do século dezenove chamado Denizard Rivail, que, utilizando-se do pseudônimo de Allan Kardec, nos diz: “Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas” (2005: 45); porém, essa afirmativa não se diferencia muito de outras teorias teológicas já concebidas; então, ele aprofunda o seu estudo no esforço em explicar, onde pode-se encontrar as provas empíricas da existência de Deus; é então que ele afirma (2005: 45): “Num axioma que aplicais às vossas ciências: não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem, e vossa razão vos responderá”. E completa (2005: 46): “Para crer em Deus basta lançar os olhos sobre as obras da criação. O Universo existe, ele tem, pois, um causa. Duvidar da existência de Deus seria negar que todo efeito tem uma causa, e adiantar que o nada pôde fazer alguma coisa”. Para Kardec a lógica dialética fornece elementos suficientes na apreciação desse estudo cosmogônico.

As cinco vias tomistas, porém, não se restringem a uma exposição de causas e efeitos, como podem pensar alguns; analisa estados da realidade concreta que mantenham ligação com o divino – o mesmo que fez Kardec -, não para uma tentativa fanática de se provar o que não existe, mas, aliando fé e razão na mesma teoria; com efeito, sobre essa aliança, Kardec apontou (2004: 75): “A verdadeira fé é aquela que pode encarar a razão face a face”, ou seja, a fé raciocinada.

Sobre isso, Santos (1964: 411) nos diz: “(...) pela sua tendência em harmonizar a razão com a fé, (...) em combinar a investigação pessoal com o respeito à tradição, procurando, em suas pesquisas, não o novo ou antigo, mas a verdade”.

Após considerar certos elementos da filosofia tomista, podemos com maior segurança, penetrar, tanto quanto nos for possível, nas cinco vias que levam a Deus. A primeira via fundamenta-se na constatação de que no universo existe movimento. Pautado em Aristóteles, Tomás de Aquino considera que todo movimento tem uma causa, que deve ser exterior ao próprio ser que apresenta movimento; com efeito, é impossível admitir que uma mesma coisa possa ser ela mesma a coisa movida e o princípio motor que a faz movimentar-se. Essa teoria parece encontrar seu limite nos objetos inanimados, pois, sabe-se perfeitamente que, os seres racionais ou que apresentam princípios inteligentes rudimentares, agem e movimentam-se por um influxo que vem deles mesmos, são ao mesmo tempo moventes e movidos; com efeito, também não queremos afirmar que os seres animados não se apresentem em outras relações de causalidade. Pode-se pensar que, o que Tomás tentou nos dizer foi o seguinte: “tudo o que não obra da inteligência humana, o que foge à sua capacidade, só pode ter como princípio fundamental algo que lhe seja necessariamente superior e possa suprir, no caso do movimento do Universo, os estados equilibrados desse movimento”. Ora, Kardec afirma que são exatamente os movimentos universais, em sua regularidade, que denotam a ação de uma inteligência suprema. Se o axioma que diz que todo efeito tem uma causa, parece que outro princípio elementar se faz presente, que é tão verdadeiro como o primeiro: todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente. Se perguntassem quem é o construtor de um engenhoso mecanismo, que pensaríamos daquele que respondesse que ele se fez a si mesmo? (Kardec, 2001: 44). Para ele, sem contradita, o Universo é um engenhoso mecanismo.

A segunda via diz respeito à idéia de causa em geral; todas as coisas, ou são causas ou efeitos, não se podendo conceber que alguma coisa seja causa de si mesma. Nesse caso, ela seria causa e efeito ao mesmo tempo, sendo assim, anterior e posterior, o que seria absurdo. Por outro lado, toda causa, por sua vez, deve ter sido causada por outra e esta por uma terceira, e assim sucessivamente. Impõe-se, portanto, admitir uma primeira causa não causada, Deus, ou aceitar uma série infinita e não explicar a causalidade (Mattos, 1988: X). Ora, podemos, sem contradita, recorrer à teoria de ato e potência de Aristóteles, amplamente aceita por Tomás de Aquino. A potência é com uma capacidade, um esboço, um começo, já o ato é o complemento; a potência é tudo que pode ser aperfeiçoado; o ato é perfeição ou aquilo que realiza; com efeito, o ato puro, que é Deus, aperfeiçoa e realiza todas as outras coisas, que não são outras senão atos compostos; Deus não está submetido à vicissitudes ou alterações típicas das potências. Como já nos disse Plotino, é a causa incausada, o único ser auto-definido porque nenhum termo o comporta. Na Suma Teológica, Tomás de Aquino nos afirma que “a potência e o ato dividem entre si o ente de tal modo que tudo o que é, ou será ato puro ou composto necessariamente de potência e ato, como princípios primeiros e intrínsecos”.

A terceira via refere-se aos conceitos de necessidade e possibilidade. Pela constante transformação dos seres, uns sendo gerados e outros se corrompendo, além de outras muitas vicissitudes, percebe-se que eles não possuem senão uma existência contingente e limitada, já que o existir não depende deles mesmos. Para o filósofo de Aquino, se, nas coisas somente houvesse o possível, não haveria nada, isso porque o possível não tem em si mesmo a razão suficiente para existir. Com efeito, se alguma coisa existe é porque participa do necessário absoluto, que é Deus, que a seu turno, lhe imprime a sua contingente existência. Numa análise, podemos observar o comentário do filósofo José Herculano Pires (1993: 59): “Não podemos duvidar da existência de Deus porque ela implica a nossa própria existência e a do Universo em que existimos. Negar Deus seria negar a nós mesmos e negar a toda a realidade que nos cerca”.

A quarta via tomista para provar a existência de Deus parece sofrer grande influência platônica e baseia-se nos graus hierárquicos de perfeição observados nas coisas. Outros filósofos como Plotino e Agostinho de Hipona – igualmente por influência platônica – também pensaram nessa hierarquia, das diferenças entre o plano sensível e contingente, e do plano divino e perfeito.

Há graus na bondade, na verdade, na nobreza e nas outras perfeições desse gênero. O mais e o menos, implicados na noção de grau, pressupõem um termo de comparação que seja absoluto. Deverá existir, portanto, uma verdade e um bem em si: Deus (Mattos, 1988: X). Esse bem é o fulcro no qual desembocam todas as coisas relativas, mas que conserva em si a perfeição absoluta; para Kardec é o arquétipo que deve conduzir os homens nas apreciações de suas ações boas ou más.

A quinta via fundamenta-se na ordem das coisas. De acordo com o finalismo aristotélico adotado por Tomás de Aquino, todas as operações dos corpos materiais tenderiam a um fim, mesmo quando desprovidos da consciência disso (Mattos, 1988: X). Seguindo essa ordem dialética, parece realmente impossível que o Universo tenha se feito e provido a si mesmo, que a causa da inteligência humana resida no elemento meramente material, que, enfim, explica a finalidade do aparecimento do homem na Terra quando as condições climáticas o permitiram. Parecem ociosos exemplos que desrespeitam a filosofia tomista, mas, observando o caráter sintético dessa mesma filosofia, nos damos a entender que os exemplos utilizados tendem a observar de forma mais prática o que o filósofo queria dizer.

Enfim, realmente é difícil de conceber que um ente desprovido de inteligência possa auto-gerar-se e auto-manter-se, a não ser, é claro, que concebamos que o acaso pôde criar alguma coisa. Para Huberto Rohden, somente o ser pode criar, o não-ser nada é e não pode vir a ser senão pelo influxo do ser, e, para ele, o ser é Deus. Ainda uma vez recorremos a Kardec (2005: 46), quando diz: “(...) que homem de bom senso pode olhar o acaso como um ser inteligente? Aliás, que é o acaso? Nada”. E completa: “A harmonia que regula as atividades do Universo revela combinações e fins determinados e, por isso mesmo, revela a força inteligente. Atribuir a formação primeira ao acaso seria um contra-senso, porque o acaso é cego e não pode produzir os efeitos da inteligência. Um acaso inteligente não seria mais um acaso”.

CONCLUSÃO

Julga-se o poder de uma inteligência pelas suas obras, talvez esse seja o grande aviso de Tomás de Aquino a todos os seres humanos: aos incrédulos para que percebam que acima deles reina o ser supremo, aos crédulos, para racionalmente percebam a grandiosidade das obras divinas. Uma coisa se conclui desse estudo acerca das cinco vias que levam a Deus: que é muito difícil, utilizando-se de argumentos materialistas, refutar os que nos disse o grande pensador que mereceu o cognominado de Doutor Angélico.

BIBLIOGRAFIA

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Araras, IDE, 2005.

KARDEC, Allan. Idem.

KARDEC, Allan. Idem

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Araras, IDE, 2004.

KARDEC, Allan. A Gênese. São Paulo, LAKE, 2001.

MATTOS, Carlos Lopes de. Santo Tomás: vida e obra. Nova Cultural, 1998.

PIRES, José Herculano. Introdução à Filosofia Espírita. 2º ed. São Paulo. FEESP, 1993.

SANTOS, Theobaldo Miranda. Manual de Filosofia. 13º ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1964.

*Sobre o autor: Lindemberg Jackson de Castro é fundador e vice-presidente do IFEC - Instituto de Filosofia Espírita do Ceará; é palestrante espírita e curso filosofia na Universidade Estadual do Ceará.